quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Nosso Rambo de cada Dia

No último sábado, eu e Gabriel, resolvemos fazer um programa de pai e filho, nada mais másculo e recheado a testosterona do que assistirmos ao último filme da franquia Rambo. É claro que não esperávamos romance, nem humor e muito menos o protagonista da trama entregando flores. Mas, pensar na personagem que surge nas telas discutindo o drama da inclusão de ex-combatentes do Vietnã na sociedade, que durante a década de 1980 chamou a atenção para guerra fria, indo do Vietnã ao Afeganistão, me fez esperar um fim verdadeiramente apoteótico para um velho guerreiro de tantas andanças encarnado por Sylvester Stallone, da mesma forma que se deu com Rocky o lutador.

Não vou fazer aqui críticas ao filme, roteiro ou atuações. Também não pretendo dar spoilers. O filme é de ação e segue o que era de se esperar com tiroteios, lutas e explosões. E é claro que abusa das cenas de violência. Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção foi a plateia. Ninguém se surpreendeu ou se incomodou com as truculentas cenas marcadas em até certo ponto por uma dose de sadismo. Se foi possível identificar algum drama, alguma emoção humana, ou empatia pelos percalços comuns entre os seres humanos, tudo passou despercebido. Os expectadores estavam mesmo ávidos pelo sangue, só faltaram lamentos por ele não espirrar da tela.

Não havia apenas aplausos ou aquele misto de curiosidade e admiração de quem distingue a realidade do que é encenado. Mas entre a maior parte da plateia, o que se percebia era uma projeção de mentes e disposições tão forte que parecia haver entre o "herói" e a plateia um imiscuir-se a cada aperto de gatilho, facada ou soco desferido. E era possível ouvir aqueles que até se lamentavam quando entendiam que a agressão exercida era pouca.

Sim, eu fui ver Stallone encarnando Rambo, eu sabia que seria violento, mas acreditei que sairia da sessão rindo das cenas impossíveis, comentando cenários, locações, apontando algum erro de cronologia, mas acima de tudo certo de que a ficção estaria muito distante da realidade. Mas me surpreendi ao constatar que o falatório na saída da sala de projeção demonstrava o quanto a violência é real, tem voz, variedade de rostos e está tão próxima. Presente nas fechadas no trânsito, nos esbarrões e empurrões na condução, nas discussões sobre política, na necessidade de firmarmos nossos posicionamentos, na política de segurança pública e na insensibilidade diante da morte de uma criança.

Assim como a personagem Rambo, que ao longo de toda a franquia, pouco fala e balbucia pouquíssimas palavras, deixando  para se expressar com bombas, tiros e socos. Nossa sociedade também está desaprendendo a falar, deixando de ouvir, não querendo ver e se indispondo a argumentar. Estamos cada vez mais "Rambos", sentindo o prazer em possuirmos armas, querendo segurar a faca que esfaqueia, desejando legitimar o uso da violência e confundindo justiça com vingança. Nossos heróis não salvam mais, não ajudam mais, não se sacrificam, não se doam, não oferecem valores. Ao contrário, são traumatizados, sequelados, fantasmas assombrados pelos seus próprios fantasmas que não assumem o papel de construir uma realidade melhor, mas apenas o de justiceiros que promovem vingança.

Sei que alguém argumentará sobre a dificuldade de sobriedade diante da nossa violência cotidiana. Mas é impensável justificar a nossa perda de humanidade. É leviano demais o estabelecimento de fronteiras entre nós e eles. Dialéticas do tipo: favela e asfalto, homens de bem e criminosos, esquerda e direita, são rótulos que só evidenciam os nossos preconceitos e afirmam estigmas. Pensamos confortavelmente que o vilão é sempre o outro, o que está do outro lado da fronteira, que ele não merece ser ouvido, antes tem que ser exterminado. Pode ser que você ache as minhas palavras exagero, mas é exatamente isso que demonstramos quando agressivamente elevamos o nosso tom de voz, ignoramos a opinião do outro ou arrancamos com o nosso carro.

Nossos trejeitos, nossos semblantes e até a nossa ironia é violenta. É melhor não ter razão quando a razão afirma ser aceitável uma criança morrer alvejada por uma bala perdida, e não interessa de que arma veio o tiro. Não existem baixas aceitáveis!

Não é prudente assumir uma ética guerreira que a tudo e a todos combate, ou corremos o risco de ter que vivermos com sequelas, perdas e um cenário caótico marcado pela destruição em todos os sentidos.  Se queremos paz, paz para chegar em casa, paz para por a cabeça no travesseiro, paz para festejarmos, irmos e virmos sem medo. Precisamos lembrar que essa paz não se faz só com a força das armas. Precisamos combater as verdadeiras causas e não as consequências. A corrupção, a omissão e a insensibilidade matam mais do que o tiro de fuzil.

Nesse mundo de tantos Rambos está faltando "homens humanos" por mais redundante que isso pareça. Se desarme, se humanize, se liberte, se solidarize, se sensibilize!!!!

Vinck Vitório 

3 comentários:

  1. Excelente reflexão, meu amigo... Vivemos tempos obscuros, mas não podemos deixar de nos posicionar firmemente. Estamos juntos!!

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  2. Gostei muito do texto. De fato parece que nossas mentes já estão cauterizadas. Violência de todos os níveis já não nos chocam. Muito preocupante.

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